Se fizer as mesmas perguntas...
No meu último texto, comentei que estava lendo o livro "Perfis, e como escrevê-los", de Sergio Villas Boas. Hoje acordei cedo e peguei meu livro - na verdade, é emprestado, mas tudo bem.
Me senti identificada com o perfil do escritor João Ubaldo Ribeiro. Acho interessante transcribir o trecho que me surpreendeu tanto.
- Quinhentos anos? Você veio aqui para falar dos quinhentos anos? Essa não!
- Bem, poderia ser um dos assuntos, afinal a Carta de Pero Vaz de Caminha ainda é a certidão de nascimento do Brasil...
- Primeiramente, não temos quinhentos anos.
- Menos ou mais?
- Olhe, meu amigo, preciso trabalhar; estou cada vez mais sem saco para entrevistas.
- Por que deixou a gente [eu e o fotógrafo carioca Antônio Batalha] chegar até aqui, então?
- Você insistiu muito...
- O que mais te incomoda em entrevistas?
- Os caras me fazerem as mesmas perguntas de sempre, e o modo como me folclorizam.
- Pode nos mandar embora daqui, se quiser.
- Mas sou um sujeito que não sabe dizer não. Vamos, vamos começar. Diga o que pretende.
Um dos nossos entrevistados, o artista Edílson Viriato, teve uma atitude similar à do João Ubaldo Ribeiro. Ele estava com o saco cheio de responder as mesmas perguntas e não teve muita resistência em conversar conosco. Mas a diferença com o Sergio Villas Boas foi que nós insistimos em que nossas perguntas fugiam do normal e nem pensamos na hipótese de ir embora.
O trecho a continuação mostra o momento mais crítico do encontro com Viriato.
"Então, que tipo de perguntas você vai fazer? Se não entrar nisso, está bom. “O que é sua carreira?”, “Porque você faz isso?”, “Porque faz?”, “Como começou?”, “Como que é?”, esse tipo de coisa é foda. (...) Podemos começar. Mas se fizer essas perguntas, eu vou ser sincero, não é ser grosso, ser antipático, mas é cansativo. Os jornalistas chegam e fazem as mesmas perguntinhas. “Fale um pouco da sua obra”. Que obra? Se às vezes eu nem tenho obra".
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