terça-feira, 18 de março de 2008

As perguntas que os jornalistas não fazem [1]

Ontem fui na casa da minha avó, Marion Kaufmann. Havíamos combinado há duas semanas este encontro, pois ela queria me dar um material do Kapuscinski e outro autores que tinha juntado. Conferi mais uma vez que o interesse ou paixão pelo jornalismo e pela literatura estão na sangue da minha família.

Entre os textos que recebi há um artigo* da escritora sul-africana Nadine Gordimer com o título deste post, "As perguntas que os jornalistas não fazem". É interessante e pode ser útil, especialmente aos leitores deste blog. A seguir, a primeira parte.

Qualquer um que tenha se convertido numa pessoa pública -estrela pop, herói desportivo, político, artista, escritor- sabe quais são as perguntas lhe formulará um jornalista decidido a entrevistá-lo, sempre segundo a área de atuação profissional do entrevistado em questão (todos poderíamos respondê-las, até dormindo)

A fama ou a notoriedade são assim: estrelas pop e políticos costumam dar oportunidade a melhor reportagem ou ao mais cobiçado. Os escritores -dos quais as obras não são famosos numa escala comparável, com exceção a Romeo e Julieta, Gone with the wind ou Harry Potter- usualmente são forçados por seus editores a ceder às entrevistas. Eu estou nesse grupo.

Ao longo dos anos, e com muitas concatenações, reuni uma breve lista das perguntas que os jornalistas não fazem. Eu acho essas perguntas muito mais interessantes do que as que são geralmente formuladas. De modo que decidi me entrevistar e ver o que posso descobrir. Isso significa que devo me responder a mim mesma por mais reticência que a pergunta me cause? Sim. Não serei juiz, não serei o jurado, mas serei jornalista e também a vítima.

Qual é a carência mais importante da sua vida? Vivi minha vida na África sem aprender uma língua africana. Mesmo no caso da minhas amizades mais fortes, nas minhas atividades políticas e literárias compartilhadas com compatriotas sul-africanos pretos, eles só falam em inglês comigo. Se conversam entre si em outra língua (e todos eles falam ao menos três ou quatro línguas), só entendo umas poucas palavras: as que tem passado a ser do uso comum no uso sul-africano que se faz do inglês. Do modo que sou surda a uma parte essencial da cultura sul-africana ao qual eu sou parte e estou absolutamente comprometida.

Qual é a mentira mais flagrante que você disse alguma vez? Na verdade, não poderia distingui-la. O fato de viver durante o apartheid, na vigilância da polícia secreda, nos converteu, me refiro a todos aqueles que se oporam ativamente ao regime, em mentirosos consumados. A gente mentia dizendo que desconhecia o paradeiro de alguém que a polícia procurava para arrestá-lo, mentia sobre os próprios movimentos e das pessoas com quem se encontrava. Havia que fazê-lo se desejava proteger a outros e a mim mesma.

Em breve, a continuação desta matéria.


*Infelizmente, não posso identificar a revista na qual foi publicado. Só sei a data, 20 de julho de 2003.

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