quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Independência da piauí é explicada com fusão dos bancos


Em meio à histórica fusão do Unibanco e Itaú (que eu chamo de Unibú), recebi minha revista piauí. Finalmente entendi como a publicação, que investe em reportagens pesadas ao estilo New Yorker, conseguiu sobreviver no injusto mercado editorial brasileiro. Senti-me o último a entender a piada: a publicação, que é do filho do dono do Unibanco, tem seis páginas de anúncios de instituições financeiras (cinco de bancos e uma da consultora financeira PricewaterhouseCoopers).

Apenas quatro anúncios de página inteira não são de bancos, sendo que dois são da Globosat - um do canal GNT e outro do Universal. Globosat que é controlada pelo Globo S.A., que por sua vez vende suas cotas mais caras em seu veículo de ponta, a Tv Globo, ao Itaú. Em 4 de novembro, a capa do jornal O Globo, outro meio da Globo S.A., colocou um quadro com as vantagens da fusão. Não havia menção de desvantagens.

Nunca escondi minha admiração pela piauí. Era meu principal argumento em discussões sobre o investimento em qualidade para atrair leitores. Comentei no mês passado com alguns amigos que li uma das (se não a) melhores reportagens feitas no país: O Caseiro, sobre a história de Francenildo dos Santos Costa, personagem-chave da queda do ministro Antônio Palloci. A reportagem é assinada, justamente, por João Moreira Salles, publisher da revista e filho de Walter Moreira Salles, o fundador do Unibanco. Com o falecimento de Walter em 2001, o banco hoje é comandado por Pedro, irmão de João.

Abro a piauí deste mês. Página dois e três estão tomadas por um anúncio do Itaú. Contracapa é do banco Real. Concorrentes? Se considerarmos que o sistema bancário brasileiro é composto basicamente por duas instituições estatais (Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal), duas privadas nacionais (Bradesco e, agora, Unibú) e duas privadas extrangeiras (HSBC e Santander) com tarifas, serviços e atendimentos muito próximos uns dos outros, o leitor me permite concluir que estão todas mancomunadas entre si.

Outro fato: o público-alvo da revista não é o de gente que mexe com grana. Os anúncios da Globosat e de livros faté tem sua razão de ser, porém a publicidade desses bancos faria mais sentido em periódicos como Exame, Você S.A., Valor Econômico, entre outros. Ou seja, o maior exemplo de publicação de qualidade e independente do Brasil só parece ter sido realizado em razão do DNA do seu publisher.

De imediato, vem a memória uma questão editorial da revista. Lembro de um perfil altamente favorável ao banqueiro Daniel Dantas, alguns meses antes dele ter sido preso pela Polícia Federal. Era estranho, mas agora, faz sentido. Sinto aquela sensação chata de ser o último a entender a piada quando todos já se esbaldaram com gargalhadas.

Para completar a desilusão, responda rápido: qual o principal investimento de marketing cultural feito pelo Unibanco? Cinema, claro. Com João e Walter Salles, ambos cineastas, não podia ser diferente. Assim, fica fácil. São símbolos (ou, porque não, heróis) da cultura brasileira dúbios a partir de hoje, no meu ponto de vista.

Aqui em Curitiba o HSBC e a Caixa tem teatros. Não surpreenderá se os chefes das instituições tiverem parentes dramaturgos ou atores.

5 comentários:

Unknown disse...

Que triste isso... fique tranquilo que você não foi o último a rir da piada... :S

Anônimo disse...

Muito bom ler novamente seus comentários atualizando assim nosso Jornal Curitibocas...bjs

João Varella disse...

É má, depois de cair a ficha, a revista fica intragável. Na edição deste mês tem uma matéria criticando uma filha de juristas influentes do Rio. Será que não defendem alguma ação contra algum banco? A merda de perder a credibilidade é isso...

Anônimo disse...

Não me surpreende essa "conspiração" toda. Mundo publicitário está aí para ganhar dinheiro mesmo; revistas, sejam elas independentes ou não, sempre precisarão de investimento para se manter no mercado. No caso da Piauí, é bem mais fácil porque eles têm "padrinhos" que ajudam nessa parte.

Sei que a comparação é pobre, mas veja o jornal Diário de S.Paulo, depois que foi comprado pela Globo também. Eles viviam anunciando em horário nobre da TV porque o preço deles de veiculação tinha um desconto quase 100%. Assim é fácil também.

João Varella disse...

Zé;

Acho que o caso do Diário de S. Paulo é até eticamente menos ruim. Como passaram a fazer parte do Grupo Globo, normal que o carro-chefe ajude o pequeno.

O problema que eu vejo no caso dos grandes conglomerados é quando surge a tal venda casada ou desconto de exclusividade. Aí é prática suja.